segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Obrigada por fumar (...)


Não sou contra o fumo, contanto que longe de mim. Acho que cada um tem o livre-arbítrio, garantido pelas mitologias, ou o livre-alvedrio, pela jurisprudência, de se matar como bem entender.
Mas o fumante deveria ter apenas um local permitido por lei para saciar seu vício corrosivo: seu próprio banheiro. Afinal, é este o espaço que melhor conhece o ser humano. Seus atos mais íntimos, escatológicos, doentios, deprimentes e imundos. Além das roupas, a máscara da civilização é jogada ao chão em detrimento ao que é de fato, natural. E, se o homem é um ser vivo com propenção a vícios dos mais diversos tipos, nada mais natural do que deixar-se consumir por eles na solidão de seus hábitos, sem obrigar os demais a partilharem disso no baile de máscaras da vida cotidiana.


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Aula de Etiqueta


"It will no longer need my services, Sir, I will turn off"
=
"Se meus serviços não serão mais precisos, Senhor, vou me desligar"

C3PO, droíde de protocolo do universo fictício de Star Wars,
ensinando boas maneiras pós-coito às mulheres.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

*"Você não pode tirar o direito das pessoas de quererem ser idiotas".
Seria, então, o ofício do professor um ato de desrespeito à liberdade
individual? Sempre fui meio intolerante. Acho que estou no caminho
da profissão certa.

*Simon Phoenix, interpretado por Wesley Snipes, no filme "Demolition Man".
Pare e pense. Este mundo já não é ostensivo o suficiente?
Não é uma pretensão abusiva querer algo além dessa vida?
Vieste da porra e às minhocas da terra de comida servirá.
Não há antes ou depois, apenas o agora num caminhar tortuoso
que a nada leva.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Detesto ser bem atendida

E cheguei à conclusão que dá título a esta escrita há pouquíssimo tempo, de maneira peculiar.
A caminho de casa, meu pai resolveu parar na padaria de esquina, agora recém-inaugurada. Até aí, nada de anormal, visto que é tradição dele passar por todos os estabelecimentos comerciais ao longo do percurso que sempre fazemos.
Entretanto, dessa vez não seria um lugar qualquer ou habital ou aquela já conhecida e simplória padaria. Era um novo mundo, apenas esperando, de portas abertas, para ser explorado (leia-se consumido).
O nome com o qual foi batizado pelos seus descobridores (ou inventores) sugere logo a impressão de requinte, beleza e sonhos (em ambos sentidos), La Dolce Vita.
E, realmente, à primeira vista, para quem não possui um olhar doentio e viciado por erros epifânicos como o meu, a sensação é das mais irresistíveis e arrebatadoras. Tudo "docemente" calculado.
Ao ar livre, uma aconchegante varanda, decorada no estilo rococó, com mesas, cadeiras e um pequeno bar onde faziam-se petiscos e chopps gelados servidos às pessoas de saudável e feliz aparente aspecto ali sentadas. Conversando futilidades (talvez levemente inspiradas pela programação das telas de LCD espalhadas pelo local que exibiam a vida de desconhecidas e desinteressantes "coisas" confinadas numa casa. Mas isso é só um palpite), sujando os lábios com o grosso e espumoso colarinho da loira gelada e degustando calabresas presas ao palitinho, grudadas a cubinhos de queimo amarelo.
Passando pela grande porta de entrada, já tomada pela mistura de aromas existente, a visão panorâmica permitia serem avistadas enormes prateleiras de madeira com infinita variedade de guloseimas coloridas, vistosas e confeitadas, todas ornamentadas de forma a deixar o mero mortal que ali entra hipnotizado, sentindo-se perdido em meio àquela imensidão de cores e sabores, sedento por levar tudo que surge a sua frente não só pela fome, mas pela luxúria da satisfação de se ter o que deseja, precisando ou não.
Aquele singelo espaço de compras básicas, antes habitado por funcionários suados, infelizes, mal-humorados e remunerados, era agora um mar sem fim, da onde surgiam, em segundos, um bando uniformizado, exaltando um coro de preocupação com o bem-estar do forasteiro ao perguntar em bom tom "Já foi atendido? O que deseja? Posso ajudar?", como gênios da lâmpada mágica, dispostos a concederem os três desejos (neste caso, quanto mais desejos, melhor).
Enquanto o olhar satisfeito de meu pai competia com o que parecia ser um sorriso tentando se mostrar por trás daquele espesso e monumental bigode, eu sentia um estranho e incontrolável incômodo de estar ali por notar que havia algo errado. Tudo, aliás.
Aquela padaria estava fora do tempo-espaço. Fora da realidade. Todo o circo de boas intenções, o atendimento querendo inventar e forçar uma intimidade efusiva entre cliente e atendente e os sorrisos de prontidão me irritavam.
Nada ali exalava sinceridade para mim, nada soava como um simples local de vendas, sem mais "firulas". Era um universo perfeito com hora de início e término como a cidade de Seahaven no "Show de Truman". Eu nunca desejei tanto a formalidade dos atos.
E meu mau humor reflexivo aumentava quando via meu nobre (e, paradoxalmente, pobre) pai papeando com o dono, elogiando a obra, trocando dicas de negócios e sentindo-se grato por este oferecer-lhe fatias de de presunto e queijo "fresquinhos" enquanto a fornada de pão assava, como se estivesse lhe oferecendo amor sem esperar por nada em troca.
Circulando pelos corredores com aparente desdém, me deixava intrigada o porquê de ninguém reparar ou sentir o mesmo que eu, algo tão elementar. O "óbvio ululante", diria Nelson Rodrigues.
Qualquer um que ali entrasse não seria bem recepcionado, "tratado a pão-de-ló" e mimado por merecimento, por direito (quase) inato à dignidade. Meu pai era respeitado por ser um consumidor, não por ser humano. Recebia atendimento de qualidade e era conhecido porque era expansivo, fazia compras e tinha como pagar por isso. E quando o faz, é sempre uma compra ostensiva, exagerada, além de suas necessidades.
E é precisamente aqui que nego o que anteriormente afirmei. A padaria não estava fora da realidade. O mundo inteiro está. Ou talvez apenas eu esteja.
Além daquela porta de vidro, com ou sem sorrisos, o tratamento que recebo varia de acordo com o que tenho, não pelo o que sou. Eu sou o que tenho, eu me torno alguém quando tenho o que querem que eu tenha, o que é precisdo ter para ser.
As contas de dinheiro desviado no exterior, a cobertura duplex com vista para o horizonte oceânico, a casa de praia na região dos lagos, o carro importado do modelo mais caro, as cirurgias estéticas deformadoras pelo corpo, a fama pela fama, as amizades "certas", as mulheres mais caras. Pouco, melhor dizendo, nada importa se acho isso essencial, no que acredito e o que tenho a dizer.
Senti-me ofendida, detestei ser bem atendida por poder pagar pelo bom atendimento. Mas não os outros, que desejam esse capricho, que exigem-no, por estarem pagando por ele. Se você não esquecer a carteira, até o momento em que se der conta disso, será grato a quem deixa seu dia ganho por um mísero "Posso ajudar?" ou "Eu te amo", que mais funcionan como um "Bom dia", ou seja, banalizados e sem significado algum quando proferido em vão, do que aquele que vem do fundo da consciência (não do coração. Ele não pensa, ele não sente. Ele apenas bate).
Ali, naquela padaria, você mergulha na hipocrisia dos grandes e vive a utopia de que as pessoas estão pré-dispostas a fazer o bem sem olhar a quem (que rima com: sem olhar o que o outro tem).
Ali, como diz o letreiro, a vida é doce.